Inovação e Regulação em Segurança contra Incêndios.
Inovação e Regulação em Segurança contra Incêndios.
Neste próximo mês de março completará 6 anos que resolvi investir em um segmento que acreditava que iria passar por uma revolução, por conta de um episódio que teve alcance mundial e que dilacerou mais de 240 famílias em nosso país, chocando a todos nós pelo modo cruel com que tudo aconteceu: o incêndio na Boate Kiss, ocorrido em janeiro de 2013.
Em março de 2014, após um ano de pesquisas e buscas por soluções inovadoras na prevenção e combate a incêndios, iniciamos a operação da Bonpet Brasil, representação da Bonpet Systems, uma indústria europeia que adquiriu o direito de fabricar e comercializar com exclusividade para toda a Europa e Américas, um líquido extintor que foi desenvolvido no Japão, em 1953, após 15 anos de pesquisas. Mas o que isto tem a ver com inovação, se o líquido foi desenvolvido na década de 50 do século passado? Você entenderá nos próximos parágrafos.
O agente extintor que estamos falando, é um líquido a base de água, atóxico, não condutor de eletricidade, não danifica os componentes eletrônicos e atua em 4 classes do fogo: ABC e K. Mas como um líquido extintor a base de água não conduz eletricidade e não danifica componentes eletrônicos? Trata-se de um agente químico úmido ou wet chemical, classificado pela ISO 7165, norma mundial para extintores portáteis que serve de base para os países criarem suas normas nacionais, como um tipo de agente extintor a base de água. Para nós brasileiros, isso é uma inovação, porque: 1) de acordo com a norma brasileira NBR 15808 – Extintores Portáteis, os tipos de agentes extintores a base de água são somente a água pressurizada (AP) e líquido gerador de espuma (LGE), apesar de que, como dito acima, aquele tipo de agente extintor estar prescrito na ISO 7165, que é a norma mundial para construção e performance dos extintores portáteis em que os países se apoiam para escrever suas normas nacionais; 2) no nosso caso, o líquido Bonpet é um agente extintor multiclasse, ou seja, o usuário comum não precisa conhecer a fundo que tipos de fogos existem para manipular o extintor e assim iniciar o combate ao incêndio. Como a grande maioria dos incêndios são de classe ABC e K, com este agente extintor o usuário está seguro para realizar um combate ao princípio de incêndio.
Como muito bem colocado em seu artigo “Sobre o livro: A guerra pela Uber” o Dr. Claudio Lottenberg diz “ ... Não é fácil mudar realidades estabelecidas dentro de padrões culturais que preservam estabilidade, conforto, mas não necessariamente para aqueles a quem devemos servir.” Ali ele comenta da empolgação dele com o desafio e a mudança de realidade que a Uber fez com o transporte global e com as cidades. E continua, “...E o que a saúde necessita? Disparamos frases com efeito mesclando justiça social, equidade e acesso, mas o que estamos entregando para as nossas populações? O número de excluídos aumenta e a dita medicina de suporte básico cada vez mais se afasta de um mínimo social.” Com tanta tecnologia disponível, celulares que hoje são supercomputadores, robôs que realizam cirurgias, inteligência artificial, biotecnologia cada vez avançando mais, a medicina está passando por um processo de inovação contínuo e sem precedentes, ele questiona: “ E aí, quem sabe me pergunto: do que adianta ter os avanços da genética, medicina personalizada, cirurgias robóticas se tudo isto não está à disposição da sociedade como um todo, pelo contrário, colaborando para um mundo tão desigual. E pior: não se aproveitando de escalabilidade que traz eficiência, ganho e equidade.”
Saindo do exemplo da medicina e partindo para o exemplo do segmento que estamos ajudando a inovar, incêndio, Marcelo Lima em seu artigo escrito para o blog da Revista Emergência comenta no artigo intitulado “Estamos perdendo mais uma oportunidade para aprender com a tragédia dos outros “, ele começa dizendo que “É comum dizer que o fogo queima igual aqui da mesma maneira que no resto do mundo, mas será que acreditamos nisso de verdade? Se acreditamos, por que temos tantas normas e soluções diferentes para um mesmo problema? Um depósito de celulares na China queima do mesmo modo que um depósito de celulares na Finlândia, na Austrália ou no Brasil. Claro que todo país tem particularidades locais que devem ser tratadas localmente, mas essas são geralmente exceções e não a regra geral.”
Inovação é a ação ou o ato de inovar, ou seja, modificar antigos costumes, manias, legislações, processos e etc. É o efeito de renovação ou criação de algo novo. Tecnologia envolve o conhecimento técnico e científico e a aplicação deste conhecimento através de sua transformação no uso de ferramentas, processos e materiais criados e utilizados a partir de tal conhecimento. A inovação tecnológica trata-se do processo de invenção, adaptação, mudança e evolução da atual tecnologia, melhorando e facilitando a vida ou o trabalho das pessoas.
Estamos acompanhando e participando da revisão da norma NBR 15808 – Extintores Portáteis junto ao CB 24 – Comitê de Segurança da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Estamos vendo de perto o esforço dos seus componentes, principalmente do grupo de trabalho responsável por pesquisar as inclusões do PNS – Plano de Normalização Setorial. É um trabalho voluntário, não remunerado, lento e que não acompanha a velocidade das inovações. O modelo está ultrapassado, com reuniões mensais e presenciais no centro da cidade de São Paulo e as modificações são pontuais, não abrangem e não seguem por inteiro a principal norma mundial para extintores portáteis, a ISO 7165, que teve sua primeira edição em 1999, depois teve a segunda em 2009 e a terceira em 2017. A revisão da NBR 15808 iniciou em 2019 e estará em breve disponível para a sociedade brasileira após a consulta nacional e sua publicação em diário oficial, mas continuará defasada em relação a principal norma mundial, a já citada ISO 7165. A falta de recursos humanos, especialistas em segurança contra incêndio, combinada com a tradicional reserva de mercado brasileira, que em seus tempos áureos produziu a reserva de mercado da informática e que somente nos atrasou em relação ao mundo, somados ao processo de regulação que não introduz conferências por vídeo, que poderiam ser quinzenais (já aí diminuiria em 50% o tempo de criação ou revisão de normas) não permite que a inovação em segurança contra incêndio seja colocada em prática para o benefício da sociedade.
O intuito aqui é provocar e nem de longe queremos dar exemplo, pelo contrário, estamos aprendendo diariamente e queremos aprender cada vez mais e, se possível, colaborar para que vidas sejam salvas e patrimônios, públicos e privados, históricos ou não, tombados ou não, sejam preservados, diminuindo consideravelmente as estatísticas e permitindo que toda a sociedade possa utilizar equipamentos e soluções inovadoras contra incêndio, já certificadas em seus países de origem e que podem ser adequadas para nossa realidade. Se não, o Decreto 10229/20, que entrará em vigor no próximo dia 06 de abril, fará com que as normas internacionais prevaleçam sobre as normas brasileiras que estão defasadas perante aquelas. A entrada do Brasil na OCDE está a caminho, os acordos internacionais de comércio idem, então ou fazemos o dever de casa ou as normas internacionais prevalecerão.
Por Pericles Mattos
Executive Director at Bonpet Brasil