Alvo no incêndio do museu, Bombeiros são escanteados pela intervenção federal
Corporação não é prioridade no plano estratégico desenhado por gestores
Júlia Barbon
Alvo de críticas no combate ao incêndio do Museu Nacional no último dia 2, o Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro tem sido escanteado pela intervenção federal, à qual está subordinado desde fevereiro deste ano.
Poucos parecem se lembrar de que o órgão é um braço da segurança pública e, assim como as polícias e o sistema prisional, estará sob comando do general Walter Braga Netto, nomeado interventor por Michel Temer (MDB), até 31 de dezembro próximo.
Pesquisa Datafolha da semana passada mostra que 72% dos moradores do estado são a favor da continuidade da intervenção após isso.
Até aqui, as medidas adotadas para melhorar os Bombeiros raramente são divulgadas à população, ao contrário de informações sobre operações em favelas do estado e compras de equipamentos para as polícias, por exemplo.
"Como o interventor não costuma dar entrevistas e o gabinete não divulga as ações, fica a impressão de que pouco tem sido feito", diz Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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O órgão também não é tratado como prioridade no plano estratégico desenhado pelos gestores. Apenas 9 das 66 metas e 10 das 70 ações elencadas citam o Corpo de Bombeiros ou a Secretaria de Estado de Defesa Civil, ao qual ele é subordinado. Eles em geral são mencionados em itens mais genéricos, junto a outros órgãos de segurança.
"Não tem nenhuma ação consistente prevista para os bombeiros. Só lembramos deles quando acontece uma tragédia", afirma o professor da UnB (Universidade de Brasília) Arthur Trindade, que é ex-secretário de Segurança do DF.
Sobre as medidas prometidas, a intervenção diz que "planejou a elaboração de dez projetos" de gestão, entre eles um logístico e um administrativo-financeiro, e projetos de "preparação de transição", para quando a intervenção acabar. Também afirma que criou um grupo de trabalho que vai propor aperfeiçoamentos nos planos de carreira. Mas não detalhou o que esses projetos mudam na prática para os bombeiros ou a população.
Para um bombeiro entrevistado pela Folha sob condição de anonimato, até o momento, "a rigor, não mudou nada, a não ser a presença de militares no prédio" em que trabalha. Ele diz que vários colegas vibraram com a chegada da intervenção, mas agora a impressão é que não resolveu os problemas estruturais.
Entre esses problemas, ele cita a alta quantidade de cargos de chefia ao invés de cabos e soldados para trabalhar nas ruas —uma crítica frequente ao Corpo de Bombeiros do Rio, que a corporação nega e que não sofrerá alterações pela intervenção.
A corporação do RJ é dotada de um efetivo maior até que o de São Paulo, com quase 14 mil homens e mulheres. Há um a cada 1.200 cidadãos, contra 5.200 no estado paulista. Mesmo assim, apresenta índices inferiores: menos viaturas, atendimentos, autorizações contra incêndio emitidas e bombeiros treinados.
Três especialistas em segurança consultados pela reportagem chamam a atenção ainda para uma falha grave da intervenção federal, evidenciada pela tragédia do Museu Nacional: não parece haver uma preocupação em mudar procedimentos de prevenção e contenção de incêndios.
"A checagem de áreas críticas depende da intervenção. É preciso mapear e prever todos os riscos potenciais em locais como prédios históricos, portos e avenidas, como é feito em Nova York. Se esperava que houvesse uma correção de rumos", diz o coronel reformado da PM de SP José Vicente da Silva, consultor na área.
Eles cobram a elaboração dos chamados planos de contingência, que descrevem o que deve ser feito em caso de acidente em determinado lugar. "O Corpo de Bombeiros tem que ter um plano de contingenciamento, ainda mais considerando que o Rio está cheio de prédios antigos", ressalta o professor Arthur Trindade, da UnB.
Questionado, o Corpo de Bombeiros do RJ afirmou que "não existe pedido de plano de contingência para a corporação" e que "a atuação dos bombeiros é baseada em uma série de procedimentos operacionais padrão elaborados internamente com base em experiências científicas e empíricas".
No caso do museu, na zona norte do Rio, a corporação foi criticada por demorar para começar a conter o fogo, o que pode ter aumentado os danos ao acervo de mais de 20 milhões de itens. Eles dizem que os hidrantes estavam sem pressão, o que a Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) contesta.
O palacete não tinha autorização dos bombeiros para funcionar e não atendia aos requisitos básicos de segurança, como extintores, iluminação e saídas de emergência. A direção do museu procurou o órgão no começo de agosto para regularizar a situação, mas não deu tempo.
Fonte: Folha de S. Paulo
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